Arrepios

Arrepios, suspiros, verdades…

Arquivo para o mês “janeiro, 2010”

A porta verde e suas histórias…

– Não sei se gosto mais do meu irmão ou da minha mulher. É aquele tipo de constatação ridícula, profana, que não vai mudar nada, né não?

Ele, lourinho, olhou para a cara dela. Absorta em pensamentos indecifráveis, nem prestou atenção. A chuva lá fora.

– Ele está falando com você, Vitória.

– Oi.

Ela acordou do sonho dourado e olhou para o amigo.

– Era só um papo sobre essa loucura de amar.

– Pra mim amor é um cabide em que me penduro. Nesse caso, sou um casaco. Quando me envolvo com ele, o cubro, faço dele um abrigo. E quando me retiro dele, fecho a porta do armário, pra não o ver mais.

Risadas duplas. O lourinho sem piscar, chegou mais perto. A chuva lá fora.

– Essas suas constatações são mais ridículas que as minhas. Campeã.

– Superação também é minha palavra.

O lourinho resolveu passar o braço por sua cintura. Ela olhou de canto pra ele. Tão bonito o rapaz. Camiseta suja e meio rasgada, aquele cabelo grunge, parecia um bastardo de algum Nirvana. Não do Colbain, que era estimar demais a magrelice dele. Se bem que não era tão magrelo…Suspiros e uma mordida de excitação no lábio inferior. O amigo atento:

– Bom, vejo que vou sobrar nesse amor cotidiano e tenso de vocês.

– Mas tá chovendo ainda.

– Vitória, minha querida, sei bem o que é uma chuva dessas para um casal em ebulição.

Ele abriu a porta verde.

– Volta amanhã?

O lourinho entregou os cigarros e um guarda-chuva bicolor.

– Volto e trago o seu livro, como combinado.

Três segundos de porta fechada. Nada mais, nada menos. O lourinho já estava sem a camisa suja e meio rasgada. Vitória não tinha mais blusa. Calças abertas. A chuva lá fora.

– Você não pretende me amar então?

Vitória revirou dois olhos, de vontade e de sarcasmo.

– Aproveita enquanto está no armário. Qualquer dia posso te colocar na geladeira.

O lourinho, apesar do medo e da vontade de mandá-la se foder, resolveu fazer isso ele mesmo. Mas não sabia que para ela era difícil dizer o quanto queria amá-lo. Os pensamentos pecaminosos e nada mais. 11 minutos de puro e devasso prazer.  E a chuva lá fora…

Continua.


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Hoje eu acordei meio Macunaíma. ” – Ai, que preguiça…”

No próximo ano

Ela olhou para a parede lilás. Sentada na cama, com as mãos sujas de tinta, não conseguiu chorar. Ela queria. Apesar de não ser de sua natureza, lágrimas não iriam fazer mal. Sua mãe sempre dizia que quando conseguisse expressar seus sentimentos, com aquele grude salgado escorrendo em seu rosto, seria uma pessoa melhor. Mais madura, mais humana. Ela choraria, se pudesse. Nos últimos dois anos não havia tido tempo ou motivos para se entristecer.

Ele era um daqueles caras que só se encontra uma vez na vida. Tinha aquela beleza unânime, desses que no supermercado dá vontade de matar a caixa, que não consegue parar de olhar. Seus olhos eram exóticos, meio franceses, meio esverdeados e tinha um sorriso enorme, macio, confortante. Suas costas eram uma obra prima renascentista e conversar com ele era como abrir uma enciclopédia – só com coisas legais – enquanto tocava em um rádio imaginário as músicas mais interessantes do planeta. Era bom estar com ele e raramente brigavam. Quando o conheceu:  ah, delícia! Sentiu as tão esperadas borboletas no estômago e achou hilária cada frase sussurada entre uma dose e outra de tequila. Foi em um daqueles bares poluídos pelo cheiro do cigarro e ela sentiu nele aquele aroma almísquar, aquela coisa masculina que não saiu ainda do travesseiro com que está abraçada.

Acabou. E não dá pra chorar. Com o pincel na mão, sujo de tinta vermelha, de quando ele pintou azaléias na mesma parede, ela não consegue chorar. Acha que seria justo com ele, com ela, com a relação tão bonita dos dois. Mas só consegue pensar no curioso encontro da manhã. Ele estava ali de novo, comprando carolinas na padaria da esquina. Os mesmos pés ritmados por alguma canção obscura. As mesmas mãos grandes e bonitas segurando o pacote. Os mesmos olhos novos, curiosos sobre os seus.

É 12 de junho e nesse ano seu coração não está vazio, enganado por uma perfeição boba. Ela só quer saber o nome daquela incógnita, que ela já sabe que vai estar ao seu lado, em outras paredes, no próximo ano.

*Texto publicado em 12/06/09 no www.gonzada.com

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Hoje acordei meio Anna Scott sem a fama.

3ª Madrugada

Parece que foi ontem. Nunca vou esquecer o turbilhão de flashs que queimaram meus olhos naquela capela funerária. Como se eu fosse famosa, ou aquela tia que chora mais falso que relógio de caneta em pulso de criança. Ninguém ali era famoso, ninguém queria ser. Exceto ela. Com aqueles dedos compridos naquela mão fina, aquela pose perfeita, os cabelos tão pretos, lisos e alinhados. Era uma estátua de liberdade. Havia partido.

Lembro de quando nos desentendemos. Eu não queria chamá-la para o meu casamento. Nem sou casada, não se assuste. Mas eu planejava na época, um conto de fadas, com um vestido mais bonito do que o da Barbie que ela me deu. Foi minha primeira boneca. Nunca vou me esquecer. Nós brigamos feio, por horas e horas, até que eu disse que não a convidaria. Mostrei dois dedos do meio e sai firme para esburacar o chão.

Aniversário de morte é a coisa mais triste que existe. Não devíamos “comemorar” isso. Já basta a dor da perda, aquela saudade que volta, faça chuva ou faça sol. Eu queria homenagear aquela mulher. E escolhi hoje, sete anos de sua morte, para gritar pela janela: NÃO SOU MELHOR QUE VOCÊ. MAS PODERIA! No fundo era essa disputa mesquinha de capricornianas. A diferença de idade era nítida, mas brigávamos por qualquer coisa. Ela gostava de me desafiar, porque sabia que eu iria revidar.

Ela foi como se fosse rainha. Com o nariz empinado e com as ombreiras no lugar. Eu não consegui derramar uma única lágrima. Me arrependi anos depois por não ter sido complacente com o restante da família. Mas não consegui. Era como se ela me olhasse ali do caixão de lírios e dissesse: VOCÊ NÃO CONSEGUE NEM CHORAR. INCOMPETENTE! Fiquei com medo depois, de ser uma dessas pessoas traumatizadas, que veem defunto em todo lugar.

Mas não. Vou fechar a janela, porque está começando a chover. Meu irmão está dormindo na sala. Amanhã descubro porque a mulher o botou na rua da loucura. Talvez Antes que termine o dia me faça chorar sobre a pipoca…

Bar.

Um bar. Com mesas e cadeiras de plástico. Duas mesas de sinuca. Um balcão comprido, meio engordurado. Aqueles doces do passado. Aquelas cebolas e batatas passadas. Tinha sempre o sinhôzinho fumando um cigarro de palha. Ele sacudia a perna mais rápido do que qualquer pessoa no mundo. Talvez entraria até no Guinness se alguém o tirasse do bar. Tinha um maluco que trocava a ordem das letras do seu nome quando você se apresentava.

– Joana. Anoja. Janoa. Anajo.  Joana.

Um bar. Com cerveja gelada, caninha da boa, bebida barata. Ele passava em frente quando ia ao colégio. Sempre sentiu vontade de comer um doce daquele, mas tinha aquele homem sacudindo a perna, quase voando. Nunca teve coragem de entrar. Aí fez 15 anos. Em festa de menino não se tem vestido longo e os pais não gastam o dinheiro de duas faculdades para que ele se sinta um princípe. Menino bebe até cair.

– Eu quero uma cerveja gelada, tio.

No bar. Com uma cara de moleque que não tinha fim. Ele pediu com tanta coragem que o tio foi lá, lavou um copo, abriu a cerveja e colocou na frente dele. Tremia tanto. E não era frio, nem medo. Era vontade, era adrenalina. Foi a primeira vez que tomou cerveja e conheceu um bar. Saiu de lá chapado, feliz como nunca. Estava se sentindo tão homem que  tentou fazer sexo com a vizinha mais velha. Talvez ele tivesse conseguido, se não dormisse após cinco minutos com ela. Mas foi uma noite épica, quase irreal. E você sabe que essas noites existem.

– Porque no bar as coisas acontecem.

Ou depois dele…

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Hoje acordei meio Charles Bronson.

A morte de Anira – Parte 1

Estavam em um desses mercadinhos de cidade pequena. Anira queria um chinelo verde água do mar. Claro que não tinha. Pegou um azul marinho e foi pagar. Viu o pai trocando olhares com a caixa. Poxa, que coxa! Fazia tempo que não via uma mulher tão coxuda como aquela. A última vez foi…ah, sim, sua mãe, esperando no carro. Sentiu nojo dos homens e vontade de rir.

– Ela é seu número, né?

– Cala a boca, Anira, tenha dó. Respeite sua mãe.

Tá bom. Ela iria respeitar e imaginou se o Guilherme tinha esse mesmo respeito por ela. Chegou no carro, duas mensagens dele.

Saudade de você.

Quando você volta?

Coisa típica de começo de namoro. Logo se acostumaria ou mandaria ele catar coquinho na descida. Oito ou oitenta é a expressão utilizada por todos para caracterizá-la.

– E eu gosto tanto do número 7.

O pai estacionou longe da casa da tia. Mas era cidade pequena e mal tinha movimento nas ruas. Ficou no carro pra responder as mensagens. Demorou uns cinco minutos pra pensar em algo bacana e acabou respondendo o básico.

Eu também. Terça.

Desceu do carro distraída, enquanto ligava o mp4. Estava tocando Weepies. Nem viu o carro. Sentiu a pancada na perna e a cabeça martelando no chão. Não conseguia se mexer e imaginou o estrago.

– Puta! Devo estar sem perna e sem crânio. Morri sem ver Strokes. Tô no inferno porque tá doendo tudo.

Ela não viu as cenas bonitas da morte. Aqueles cinco segundos de família-amores-amigos-histórias-cachorros-e-gatos passando na frente dos olhos…nada. Resolveu chorar. Mas morto não chora.

– Aniiiiiiiiiiiiiira.

Foi a última coisa que ouviu. Era um nome bonito, afinal. Tomara que alguém aproveite o chinelo. E não doeu mais nada.

9

Metade da inspiração vem do céu.

A outra metade do vento e das aventuras.

Inspiração não existe.

Mas finge que sim.

E aí é só olhar pro céu, sentir o vento na cara que sempre leva um tapa.

Pronto.

Está feito o caminho para o que não existe.

Dá certo comigo.

Até mesmo aos domingos.

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Hoje eu acordei meio Peyton Sawyer.

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