Arrepios

Arrepios, suspiros, verdades…

Arquivo para o mês “fevereiro, 2012”

Sonhar.

Sonhei.

Sonhei como costumo sonhar. Tonalidades previamente expostas, enquanto sobem créditos imaginários com os nomes de pessoas próximas ou rostos que, provavelmente, nunca colocarei os olhos abertos. Imagino que esses desconhecidos sejam pessoas nas quais, distraída, esbarrei ao longo da vida. É uma ideia e tanto. Pessoas em que nunca reparei, mas meu subconsciente guardou com carinho, para fazer figuração em sonhos que me fazem acordar perturbada, tamanha engenhosidade no REM.

Sonhei com uma vila iluminada, totalmente arborizada, com referências de uma década parisiense que não sei bem ao certo se dos anos 20, 30 ou 40 – talvez pelo simples fato de eu nunca ter estudado a arquitetura parisiense. Morava em um dos sobrados com minhas duas amigas, xarás uma da outra, e nossa casa era repleta de verde e luz. As flores penduradas displicentemente pelas janelas, as poltronas confortáveis, as canecas para um chá que não existia e muitos outros detalhes, que somados representam uma casa, literalmente, dos sonhos, com companhias tão agradáveis quanto o cheiro de croissant que sentíamos pela janela do vizinho.

Sonhei com aquele campo repleto de tulipas lilases, em um abril desses enlouquecedores, em que o caminhar pelas flores favoritas era mais penoso do que qualquer outra coisa. Ali, com os cabelos ao vento, pássaros me seguiam com olhares preocupados, uma lágrima após a outra, até o fardo cansar as costelas. Eu, caída, amassando de forma rude toda a minha envergadura em flores, chorava. Sentia muito e não sentia nada. Num complexo sonho de terror psicológico em que eu precisava acordar, mas não queria.

Sonhei um sonho colorido, cheio de cartazes bonitos de filmes maravilhosos na parede. Os cabelos dele passavam entre meus dedos, eu ouvia sua voz, muitos planos e um desentendimento resolvido com sorrisos. Um sonho comprido, cheio de toques e sussurros. Quando fui abraçá-lo estava sozinha em uma sala vazia, ele havia sumido. O colorido perdeu os tons e me mantive sentada na mesma posição pelo resto de uma história inacabada.

Sonhei que o pouco me bastaria e que tudo cheirava a flor. Ledo engano ao acordar.

Tarde.

Bastam duas piscadelas para que o mundo gire da calmaria à frustração. Nem precisa de teste. Existem aqueles bons momentos, em que é suficiente sorrir e fazer parte do todo maior. Em contrapartida, os momentos “ruins” acabam deixando rastros pesados demais, ao mesmo tempo inidentificáveis, e sobra uma necessidade imensa de sumir, acabar com a cordialidade toda, emancipar-se da vida.

Tenho vivido – imagino, como a maioria dos seres humanos pensantes, habitantes desse planeta que padece, dia-a-dia um cado mais – lutando contra todos os momentos, na esperança de traçar uma linha reta, harmônica de paz interior, não dessas obtidas com meditação e regras tolas de gente que ainda quer ser feliz, mas daquelas de deitar a cabeça no travesseiro e simplesmente apagar. Descansar por completo, de mais 24 horas impostas em meio a milhares de outras coisas igualmente impostas, a qual deveríamos nos adaptar, reagir, contemplar, interagir, amar.

Por mais que devaneios me persigam, são apenas devaneios, e mesmo ao se revelarem continuam sendo meus. Nada são além disso. Além da vontade de acordar com disposição para viver aquele nicho de coisas às quais me apeguei dentro dessa jornada; de encontrar formas financeiro-sociais de realizar sonhos, já que os meus se misturam, os acordados e dormidos – e, sendo assim, me dão certa pequenina esperança de serem algo a ter sentido; até chegar o momento derradeiro do dia, em que encorajada pelo breu que invade a janela testo o universo com meus seis sentidos e percebo que nada mudou.

Ao longo dos anos em que experiencio a Terra, descobri inúmeros gostos, verdadeiras paixões e colecionei objetos e sentimentos como se tivesse mesmo direito a tudo isso. Negligenciei certas regras sociais e de conduta, aboli os longos abraços em desconhecidos e percebi que usar um relógio no pulso nunca mudaria minha conduta de atraso, apenas me deixaria com marcas no pulso, feitas pelo sol. Constatei com facilidade que da mesma forma que amo a noite e suas estrelas madrugantes e silenciosas, odeio o sol, com toda a claridade e exposição de sensações deploráveis que o acompanham. E nessa de gostar e desgostar das coisas, volto a perceber como as coisas dificilmente mudam, e como cada vez menos, as coisas valham a pena, simplesmente.

Mas isso sou eu. Eu que não quero perder os arrepios, mas os vejo esvaindo de mim, quase sem volta.

Já não tenho mais paciência ou vontade para abraçar árvores e impedir que eles construam mais um prédio. Não consigo mais desejar certas regalias mundanas apenas para passar o tempo “melhor”. Tenho perdido a cada segundo, pequeninos pedaços de vontade (essa que os humanos costumam ter de fazer tudo, colocar o nome na história e ganhar troféus) e temo o dia em que não desejarei mais sair de casa. Ficarei com minha pilha de coisas e pessoas queridas e amadas – as que achei sozinha, enquanto crescia, sozinha, ou as que me ensinaram a amar e que, sozinha, escolhi tomá-las para mim, guardar em meu coração nas costas e que me ajudam a permanecer aqui.

Devaneios mil. Desejo de subverter qualquer coisa mil. Vontade de que esse globo azul exploda mil. Estou cansada.

Eu não confundo melancolia com tristeza. Tampouco tristeza com infelicidade. Nem sonhos com mediocridade. Ou futilidade com necessidade. Muito menos o doce com o amargo. Eu só confundo o céu com o inexplicável. E isso me arrepia. Por enquanto.

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