Arrepios

Arrepios, suspiros, verdades…

Sobre buracos.

Buracos são buracos em qualquer lugar do mundo. Existe, no entanto, uma infindável família de buracos. Buracos são denotativos, no meio da terra, do asfalto, como poços artesianos e, repletos de água, poças se fazem. Buracos são fantasiosos, no meio do corpo, dentro do coração, no fundo da alma. Buracos têm várias excentricidades. Buracos sempre machucam.

Caia em um para ter certeza.

Em uma rua comprida, com duas margens distintas – uma urbana, a outra florestal -, rua dessas que inspiram poetas apenas por ser desigual, os buracos se mostram inteiros. Eles gritam por sua atenção. Até mesmo os pedestres, com exceção dos excessivamente distraídos, se interessam pelos buracos famintos, que choram e gritam por não conseguirem se locomover.

Sentem-se presos em um filme francês, com Bach no último volume, enquanto são massacrados, diariamente, sem dó nem compaixão, como se tivessem escolha. Eles se formaram pelo tempo, pela natureza das coisas, até mesmo por um serviço mal feito. Bebês da humanidade, filhos da modernidade. Buracos. Apenas tristonhos e estáticos buracos.

Dentro da menina que acordava às dez da manhã para observar os pássaros na grama da casa de infância, enquanto bolava planos para o futuro em papel colorido, um verde água escolhido como a melhor cor de lápis de cor do mundo, havia um buraco. Um buraco pequenino, flexível, pronto para ser alargado.

Ela não sabia o que a esperava. Ela sonhava com um lugar frio, em que pudesse andar com lindos cachecóis enquanto sentia o vento gelar as bochechas gigantes. Ela via sua maturidade crescer entre árvores floridas, quem sabe em um sobrado desses com floreiras coloridas. Imaginava o sucesso fácil como chupar um picolé de morango. Era feliz. E mantinha o buraquinho pequeno, invisível para quem estava fora de si.

De repente, estava no frio, com as bochechas crescidas geladas e o sucesso colado em suas costas. Na perspectiva em que cresceu, faltava muito pouco, era metade do caminho andado e ela mal precisou correr. Tropeçara em poucos buracos, até então, não tinha ralado os joelhos jamais.

Caiu. Precisou cair em um para ter certeza.

Hoje a menina sente a cicatriz do enorme buraco que teve que costurar. Não era no coração, porque as coisas do coração são fechadas. O coração tem arquivos com pastas, muitas pastas e cadeados. Você só precisa saber trancar e abrir. É muito mais fácil lidar com o coração.

Seu buraco cresceu na expectativa. Essa mesma, que fica solta dentro do corpo e nos atinge como um balão cheio de fogo. Ela teve a maior parte do que desejara nas manhãs ao som dos passarinhos. Mas lidou com um buraco no meio do caminho. Já dizia Nhá Barbina: “esta vida é um buraco”.

Como foi que ela fechou esse buraco? Perguntam os amantes de flores emburacados.

Ela fechou com paciência, com pessoas queridas, com mais alguns tombos, com a descoberta dos seus limites, com carinho, com um novo encontro, com sorrisos leves, trabalho duro, seus passatempos favoritos antigos, sua personalidade própria,  com amor. Ela fechou com muito amor.

– Esse buraco, diz ela, já não abre mais.

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