Arrepios

Arrepios, suspiros, verdades…

Arquivo para o mês “agosto, 2010”

Sinta.

As cores. O sem nome. Aquilo ali. As coisas. O avanço. Aquele lá.

Vibrações. Bem. Mal. Vontade. Saudade. O belo. O bloco. A boca.

A roda, a corda, a mola, a sacola, a magnitude, a atitude. O céu.

Ressaca. Carinho. Desejo. Tristeza. Dor. Alegria. Tesão. A vida.

Sinta. Senta. Tenta. Tonta. Ponta. Porta. Porto. Torto. Morto.

Um ano.

Um chiado no ar. Mosca. Nada seria mais divertido que uma implacável perseguição às moscas. Mas, repentinamente, perdeu o interesse. Ouviu passos no corredor. Sentiu um cheiro novo, meio tonto, ficou perdida em seus pensamentos. Quem seria? Deveria emitir algum som?

Os passos entraram pela porta. É, não era nada. Ela resolveu caminhar um pouco. Encontrou uma flor, despedaçada, triste como o dia nublado em que se encontrava. Pisou, terminando de esmagar o néctar que já não existia. Podia comer aquela flor inteira, mas estava sem fome.

– Correio.

A fúria corroeu seus olhos. Queria arrancar os braços daquele homem de amarelo. Onde já se viu atrapalhar seus devaneios primaveris? Quem ele pensava que era pra se vestir como gema de ovo e sugar toda a sua atenção? Os passos retornaram e mãos sairam carregadas de correspondências, portão afora. Ela iria ficar mais uns quarenta minutos sem ter com quem falar.

Droga! Deu meia-volta, entrou em casa, deitou sobre a colcha xadrez. Tinha um coelho ali, para destruir. Não quis fazer nada com ele. Estava cansada de todos os sons. Passos, gritos, destruições. O tédio dominou seu pequeno corpo. Dormiu meia hora e só acordou com a voz que mais conhecia:

– Vem comer, Aretha, vem!

Postado em 1º de outubro de 2009, no gonzada.com, com o título ‘Um dia de cão’.

Gente.

Eu gosto de gente. As pessoas sempre foram responsáveis pelas minhas decisões. Não as mais próximas, mas eles, os seres humanos. Meu interesse por essa raça é tão grande que escrevo, invento e leio sobre eles. Certa vez tentei entendê-los e numa tentativa frustrada de compreensão própria abandonei a psicologia. Hoje tento me comunicar, ouvi-los, espalhar o que acontece com eles. No futuro, espero ter histórias pra contar. Deles, de mim, de você, de toda a gente.

Nessa de amar os semelhantes desconhecidos conheço tipos formidáveis. Esses dias conversei com uma mãe, uns 30 anos, várias tatuagens de “cadeia”, com um bebê fofo e estranhando o mundo no colo. Em cinco meses de vida, era a oitava vez que tinha pneumonia. Ele tinha acabado de sair do hospital e teve que lidar com uma Letícia sorridente, estralando a língua, cheia de brincos verdes e um terror próprio de adultos. Eu sou adulta?

Ela gostava tanto do filho que me apaixonei por ela. Enquanto pessoa, cumpria um papel magnífico, com simplicidade, clareza e afeto. Fodam-se as tatuagens sinistras. Era um filho – Pablo Gabriel – amado pela mãe – não lembro seu nome. Talvez, uma outra mulher repleta de nomes tortos pintados no corpo (as mesmas tatuagens de “cadeia”) tenha me deixado traumatizada. Não gostei mesmo dela. E não gosto de muitas delas. Aos montes.

Tinha dois filhos. O bebê no carrinho, machucado na testa, sem roupinha de frio, olhava o mundo com cara de ‘como é chato’. Era lindo. O mais velho, no auge de uns quatro anos para lembrar de tudo, berrava atenção da mãe, que fixou os olhos num infinito furioso. Nada de responder o menino. Eu sempre fui tão carente da minha mãe. Passava a mão no rosto dela até ser vencida pelo sono – era e ainda é o rosto mais liso do universo – e não consigo imaginar uma atitude daquelas vindo dela.

Duas pessoas. Duas mulheres tão parecidas. Duas mães tão diferentes. Gente. Quem entende?

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Hoje acordei meio Clementine Kruczynski. E quando…fica em branco? Acaba a tinta? Posso rasgar? E se eu, simplesmente, fugir?

15ª Madrugada

Fim da Disney humana. Ou dos dias de seriado americano. Em que coisas legais e surreais acontecem. Vizinhos são mais interessantes que qualquer affair, você tem muitas bebidas em casa, esqueceu seu amor. Não. O vizinho está de mudança, acabamos com as bebidas, eu o quero de volta. Ele, o meu amor.

Estive sentimental hoje. Qualquer música que escutava me feria de um modo desigual. Sentia frio de saudade e um calor de remorso que queimava da boca do estômago até as olheiras. Sinto, agora, uma vontade de sentir muito, de sentir e poder reagir, de voltar no tempo, cortar os erros, aparar as pontas soltas da existência.

Fim da diversão intensa e mal programada. Fim das iniciais não amadas. Fim das mentiras sentimentais que insisto em me contar. Se não gosto desse, deixarei passar. Se não gosto daquele, vou relevar. Se não gosto de nenhum da fila indiana, chamarei o próximo. Será que ele vem?

Sei que eu estava bem, que ele não me revirava as tripas mais. Só que quando você gosta mesmo de alguém – e percebo hoje, claramente, que devo amá-lo – não importam os mal dizeres, as promessas de esquecimento, o esforço para não lembrar, as palavras odiosas treinadas para ferir, a indiferença…Nada importa.

Acabaram os dias de fantasia. A realidade bateu em minha porta e eu abri. Senhoras e senhoras, coloquem a mão no chão. Ele está frio como o clima, a serra e o meu coração. Vou usar minhas preces certeiras ou os sonhos premonitórios para aquecê-lo.

Enquanto espero, enquanto quero, enquanto me ferro.

A morte de Anira – Parte 8

Todas as partes.

Dois meses. 61 dias. Tantas horas que o relógio do quarto lilás não deu conta de registrar. A cama estava impecavelmente arrumada. Nada saiu do lugar. Tinha poeira, tristeza, vazio. Ninguém nunca mais havia entrado ali. O quarto dela era outro agora. Terceiro quarteirão, à esquerda, túmulo 54. Anira dormia feito pedra. Jazia.

Em sua antiga casa nada mudou. Ou melhor, tudo mudou. O cachorro Zimbo não latia mais. Não corria, não brincava, nada. Trocaram a marca da ração seis vezes e ele não se manifestava. Vivia de vitaminas para cães e da música que Anira cantava quando ia brincar com ele. A mãe dela repetia a tradição, com o cachorro magrinho no colo, chorando de saudade.

No começo, Jorge e Marlene mal conversavam. Os horários de refeição eram tão silenciosos que ouviam os sussurros dos vizinhos sobre como eles estavam quietos. Não existia música, TV ou cotidiano. Jorge voltou ao trabalho após 15 dias. Marlene pediu demissão e passava as tardes debruçada na nova morada da filha, sempre repleta de belas flores e doces.

Era a tarde do 47º dia sem Anira. Sua mãe havia levado o Zimbo para o cemitério. Entrou com ele escondido em uma sacola de feira, entre flores e declarações de amor. Ela não chorava há uns dez dias. Não conseguia mais. Até aquele momento. Guilherme, o ex-eterno-apaixonado por Anira, estava sentado com violão, duas cervejas e uma emoção não muito típica de jovens.

Marlene manteve distância, o Zimbo não latia mesmo, Guilherme cantava Os outros (como se fosse As outras) do fundo de um coração despedaçado. E ele só tinha 18 anos. Quando terminou a música, enxugou os olhos marejados de solidão, contou sobre o seu dia, sobre o aniversário da semana anterior, que iria fazer engenharia de alimentos mesmo. Deu um gole na cerveja e se assustou quando a ex-quase-sogra sentou-se ao seu lado e falou com ele olhando para ela.

– Eu não sabia que vocês já bebiam.

14ª Madrugada

Tinha me comprometido a dormir cedo. Mas sou uma pessoa das madrugadas. Não sei fechar os olhos cansados e dormir, simplesmente. Sendo assim, após as excelentes madrugadas alcoólicas e divertidas que tive durante a semana, resolvi ficar em casa. Munida de pizza, filmes sem noção e uma vodca maluca, fiz o ritual banho quentinho, roupa caseira – shorts do meu ex-boyfriend, blusinha cinza e pés descalços – e fui pra sala de TV.

Terminei o segundo filme e vi que tinha algo embaixo das almofadas do outro sofá. Olha só, era o livro que estava nos capítulos finais e que eu só me lembrava de ler quando não sabia onde estava. Fui buscar uma cerveja – porque não sou mesmo de vodca – e quando deitei, no aconchego da minha escolhida solidão: bléééém. Puta que pariu. Odeio campainha. E sem interfonar ainda? Arthur ou minha mãe?

Oi, vizinho. Festinha no seu apartamento? Uma hora dessas? Ah, ainda são dez pra uma. Sei. Tá. Vou me vestir e já apareço lá. Confesso que concordei comparecer à festinha por causa do amigo do vizinho, que veio junto com ele me chamar. Só mais tarde descobri que além de ter um cabelo lindamente bagunçável, uma camisa xadrez legal e um sorriso de sou-paulista-na-sua-terra, era veterinário formado e fazia partos de animais de grande porte. Óun. Portanto, sem tempo e sem saco para arrumações, coloquei um vestidinho, joguei um cardigã por cima e fui pra tal festa.

Cinco Stellas depois, com Kooks de background, comecei a observar o pessoal. Tinha umas 25 pessoas lá, meninas bonitas, caras bonitos e um único casal de pegação. A menina tinha cabelo de crepom e já pensei, preconceituosamente, tinha que ser ruiva! E o cara usava umas roupas que me lembravam o meu…Opa! Peraí! Não pode ser? Era o filho da puta do meu ex-boyfriend-o-mesmo-do-shorts com aquela filha da puta-vou-lá-saber-seu-nome?

Não precisei de cena alguma. Ele parou de beijar a garota e foi buscar cerveja. Quando me viu, tropeçou no sofá, alguns riram, eu só consegui sorrir para o veterinário e me unir ao vizinho no Playstation. Escolhi um lugar de costas para o casalzinho 20 e joguei basquete como se fosse da NBA. No fundo, não doeu nada. Não senti perfurações de artérias, falta de ar ou aquela vontade de vomitar na cara da menina – apelidada, instantaneamente, de vadia. É só que…

– O mundo é pequeno, né não, vizinho?

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Hoje acordei meio Brooke Davis. Pós-Lucas, Pré-Julian. Clothes over Bro’s.

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