A morte de Anira – Parte 8
Dois meses. 61 dias. Tantas horas que o relógio do quarto lilás não deu conta de registrar. A cama estava impecavelmente arrumada. Nada saiu do lugar. Tinha poeira, tristeza, vazio. Ninguém nunca mais havia entrado ali. O quarto dela era outro agora. Terceiro quarteirão, à esquerda, túmulo 54. Anira dormia feito pedra. Jazia.
Em sua antiga casa nada mudou. Ou melhor, tudo mudou. O cachorro Zimbo não latia mais. Não corria, não brincava, nada. Trocaram a marca da ração seis vezes e ele não se manifestava. Vivia de vitaminas para cães e da música que Anira cantava quando ia brincar com ele. A mãe dela repetia a tradição, com o cachorro magrinho no colo, chorando de saudade.
No começo, Jorge e Marlene mal conversavam. Os horários de refeição eram tão silenciosos que ouviam os sussurros dos vizinhos sobre como eles estavam quietos. Não existia música, TV ou cotidiano. Jorge voltou ao trabalho após 15 dias. Marlene pediu demissão e passava as tardes debruçada na nova morada da filha, sempre repleta de belas flores e doces.
Era a tarde do 47º dia sem Anira. Sua mãe havia levado o Zimbo para o cemitério. Entrou com ele escondido em uma sacola de feira, entre flores e declarações de amor. Ela não chorava há uns dez dias. Não conseguia mais. Até aquele momento. Guilherme, o ex-eterno-apaixonado por Anira, estava sentado com violão, duas cervejas e uma emoção não muito típica de jovens.
Marlene manteve distância, o Zimbo não latia mesmo, Guilherme cantava Os outros (como se fosse As outras) do fundo de um coração despedaçado. E ele só tinha 18 anos. Quando terminou a música, enxugou os olhos marejados de solidão, contou sobre o seu dia, sobre o aniversário da semana anterior, que iria fazer engenharia de alimentos mesmo. Deu um gole na cerveja e se assustou quando a ex-quase-sogra sentou-se ao seu lado e falou com ele olhando para ela.
– Eu não sabia que vocês já bebiam.