Arrepios

Arrepios, suspiros, verdades…

Arquivo para o mês “janeiro, 2010”

Fim.

Track 1 – Eu só quero saber de você – Silvia Machete

Ele abaixou o volume. Não era o tipo de música pra se ouvir alto, em uma viagem com a ex-mulher. Eles estavam indo acabar logo com aquilo. O tempo passou rápido demais, se fosse levar em conta os outros 27 anos em que viveram juntos. Tinham uma bela história, dessas de meu-primeiro-amor-o-meu-coração-bate-por-você. Mas tinha acabado. Para sempre, agora.

Ela não queria se incomodar em estar naquele carro de novo, nem com ele ao lado. Ela era falante demais, ele muito quieto e não foi diferente. Conversaram sobre as filhas, sobre os pais, sobre o trabalho que consome a maior parte do tempo, sobre o tempo, sobre a vida.

E a música ali, sempre tocando baixinho.

Em viagens anteriores, ouviam Doors bem alto, e os dois faziam juntos o movimento das baquetas, como que acompanhando John Densmore. Eles davam risada de coisa banal e divertiam as filhas, ou pelo menos a caçula.

Mas agora estavam divorciados, não mais separados, divorciados.

– E se vocês quiserem voltar? Não dá mais?

– E quem é que quer voltar? Tá louca, menina?

– Tá. Mas e se quisessem?

– Aí é só casar de novo.

Deus me livre, disse a filha mais velha. O pai concordou em pensamento. A caçula foi para o quarto chorar.

Track 20 – People are strange – The Doors

#

Hoje acordei meio Linus van Pelt.

2ª Madrugada

Ontem liguei pra ele. Ele, o meu melhor amigo. Ficamos 79 minutos no telefone. Ou 1: 19h, como preferir. Nós lembramos do cheiro do queijo quente e derretido, do suspiro do quiosque da rua de trás, das corridas de bicicleta e dos banhos de mangueira. Nós éramos imbatíveis juntos. Para alguns éramos um casal, para outros iríamos nos casar, para muitos estamos casados. Nunca mais o vi.

Lembro de uma tarde ensolarada. Cheguei correndo do colégio, desmaiei na cama. Estava alucinada. Tinha conversado por uns 15 minutos com o menino mais bonito que existia no planeta. E ele tinha dito que mais tarde iria jogar xadrez comigo. Que trazia um tabuleiro que o avô havia feito. Imagine: bonito, xadrez como herança de família, com papo, disponível…O que mais eu iria querer?

Liguei para ele, o meu melhor amigo. Perguntei se ele queria ir até lá também. E ele soltou aquela risada gostosa, de quando a gente via cachorros cruzando engraçado, assistia Friends ou ligava pro Disk-Piada. Eu era muito ingênua, segundo ele, que jamais me atrapalharia. Fiquei pensando nisso e resolvi ligar pra ele, o menino mais bonito que existia no planeta. E disse que eu tinha compromisso. Catequese, se não me engano.

Desci com dois Doritos e Fanta Uva na casa mais fresca do mundo. Ele tinha um quarto só dele,  isolado da casa. Uma emancipação incrível para nossa idade. Joguei videogame com ele, o meu melhor amigo. E depois, enquanto eu lia Otelo, ele lia Um estranho numa terra estranha, enquanto a gente ouvia Morricone bem baixinho. Tínhamos esse costume de ler ao mesmo tempo, pra aproveitar a companhia nos melhores momentos. Ruim era quando ele ria e eu chorava. Nossas emoções sempre se misturavam.

Amanhã vou ligar de novo para ele, o menino mais bonito do planeta. Que só descobri dois anos mais tarde, que é o meu melhor amigo.

8

Crise.

Ela chamaria disso, se pudesse. Mas as pessoas não a deixavam falar. Era sempre um diz-que-disse sobre a sua vida. Um saco ser assediada por tanta gente. Gostava muito mais dos animais. Eles falavam com ela, mas sem fazer doer os ouvidos. Ou a consciência.

Adiava o que podia. Tinha medo de esquecer o passado, mas não por viver alucinadamente o presente. Sentia rédeas curtas e olhos tortos por onde passava. Pisava sempre nos buracos obscuros do caminho. Sentia tanto medo, que chorar não bastava. Ela precisava sumir.

Sem saber que era possível, não foi lá e não fez.

Crise. Quando passar, ela liga. Ou desliga.

Questionamentos

Mistérios. São muitos. Alguns sem graça. Outros, enlouquecedores. Tem os que doem. Os fáceis. Aí vira revelação.

De todos os mistérios do mundo: qual o maior? Mistério.

O que aquela pessoa quis dizer? Mistério.

Ainda vou ser capaz de amar alguém? Mistério.

Quando/como vou morrer? Mistério.

Tem hora que dá gosto. Tem hora que cansa. Dos mistérios da vida, só quero revelar um:

Como não cair em uma rotina terrível de conformismo e precipitação?

Se você souber: me avisa. Te conto quem sou. Se eu conseguir desvendar mais esse mistério.

7

– Como ela é inconveniente. Não liga.

Ele nem tinha ouvido. O mar ao fundo, uma brisa na frente, vento por todos os lados. Os melhores sons que iria captar pelos próximos dias.

– O que ela disse?

Não queria mesmo saber. A sem noção era bonita, como a televisão manda e o cinema acredita. Mas era só isso. Sem mais, olhou para a descabelada que tentava ser socialmente correta e não olhar muito para seus olhos verdes. Ela era mais velha, saindo da faculdade, coisa linda de se mostrar pra mãe. Mas isso só ela sabia, não dizia pra ninguém. Não era a impressão que passava, por assim dizer.

– Está interessado nela?

Poxa, NÃO.

– Estou interessado em você.

Amor de praia não sobe a serra. Mas é tão bom… Ele dormiu feito pedra. Ela ligou, baixinho, para a amiga.

02/01/2010

1ª Madrugada

Não dá pra saber que horas são. O relógio está longe, meu pensamento também. Sei que é tarde, que faz frio, que amanhã acordo cedo. Sei da chatice da vida. Queria saltar prédios pra chegar mais rápido ao trabalho. Queria trombar com pombas ou quem sabe com o Homem Aranha. Queria dormir. Mas não tenho sono, nem insônia, nem cansaço.

Vida tensa. A chuva resolveu aparecer. Com certeza fechei a janela da sala, não tem perigo de molhar o livro do meu melhor amigo. Estou com saudades dele. A gente ouvia Belle and Sebastian tão baixo quanto o apito de nossos corações. Ele é tão bonito de rosto e de costas. Tem aquela coisa cheia de cinza e jeans, aquelas meias tão limpas para o tênis tão sujo. Vou ligar amanhã.

Senti pontadas de fome. Um tsunami gástrico pedindo cerveja ou pão com gergelim. Quero engordar. Sinto tantos ossos no colo, não consigo me beliscar. Acho feio. Magreza só quando é de ruindade. Não sou má pessoa, quero ter onde pegar. Fome, sono, saudade. E ainda faz frio. Se não fosse a chuva desejaria morrer um pouquinho. Sair da Terra, ficar umas horas estendidas no além, ver qual é a da morte, afinal. Depois voltar. Me arrumar para o trabalho, vestir dois saltos, apertar a cintura. Cansar.

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